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Entrevista: “O sindicato não está apoiando o governo e sim a democracia. Que a gente faça sim oposição ao governo”

Entrevista: “O sindicato não está apoiando o governo e sim a democracia. Que a gente faça sim oposição ao governo”

Data: 12 de abril de 2016

O coordenador geral da Seção Ifes Antelmo da Silva Junior prevê que, seja qual for o resultado da votação do impeachment, trabalhadores terão dias difíceis nos próximos anos

Altelmo - em baixa

Em entrevista ao site do Sinasefe Seção Ifes, o coordenador geral do Sindicato Antelmo da Silva Junior esclarece o posicionamento da entidade sindical, tirado em assembleia geral, de participação nas manifestações em defesa da democracia com posicionamento contrário ao impeachment.

Ele fala, ainda, sobre a o risco que o estado democrático de direito está sofrendo, de polarização, das ameaças dos discursos fascistas e autoritários, do avanço da direita e do conservadorismo, da falta de fundamento legal para o impedimento da presidenta, e explica que ser contra o impeachment não significa apoiar o Governo.

Antelmo alerta, ainda, para todos os ataques que os trabalhadores devem sofrer em qualquer dos cenários que se estabeleça após a votação do impedimento, uma vez que existem diversos projetos na Câmara dos Deputados tocados por vários partidos contra os trabalhadores, e essa cortina de fumaça tem impedido a visibilidade deles. Ele ressalta, ainda, a agenda clara e divulgada do possível próximo presidente da República, Michel Temer, e do PMDB, chamada de “Ponte para o Futuro”, recheada de ataque aos direitos conquistados.

O Sinasefe Seção Ifes está apoiando as manifestações em defesa da democracia que se posicionam contrárias ao impedimento da presidenta da República. Como essa decisão foi tomada?

Estamos chegando de um congresso nacional do Sinasefe (Consinasefe) realizado em março, onde a conjuntura política foi exaustivamente debatida. Na assembleia geral da Seção Ifes do dia 23 de março, a que aprovou o código eleitoral, os presentes lembraram duas manifestações que estavam sendo marcadas, inclusive foram citadas durante o congresso: as manifestações do dia 31 de março (em defesa da democracia), organizada pelo Frente Brasil Popular e pela Frente do Povo sem Medo; e uma manifestação no dia 1 de abril, organizada pela Central Sindical, a Conlutas, a qual o Sinasefe Nacional é filiado.

Dentro do debate alguém propôs que decidíssemos qual a posição que seria tomada. Pediram a inserção desse ponto de pauta, o que é permitido. No regimento está colocado que o que não pode ser colocado como ponto de pauta são decisões relacionadas à mudança de regimento, em relação à eleição de delegados, essas coisas não podem ser colocadas. Essas coisas que são relacionadas ao trato legal não podem ser inseridas como ponto de pauta.

As pessoas têm participado de diversas assembleias e tem inseridos pontos de pauta, porque a assembleia é soberana e os presentes decidiram que esse era um ponto de pauta. Foram apresentadas as posições e foi votada que a Seção Ifes apoiaria o ato do dia 31 de março.

Por que é importante apoiar os movimentos em defesa da democracia neste momento? Isso significa que o Sindicato está apoiando o Governo?

Há um conflito e é preocupante quando essa polarização se coloca como “coxinha” ou “petralha”, quem apoia o governo ou quem não apoia, falta equilíbrio nesse debate. Porque é importante apoiar um movimento em defesa da democracia? Nós estamos diante de uma agenda que é complicada para os trabalhadores, e em especial os trabalhadores do serviço público federal.

De que forma que isso é preocupante? Estamos diante de um Governo Dilma (e Lula) que tem tocado nos últimos anos a agenda neoliberal: reforma da previdência, redução de alguns direitos trabalhistas (no ano passado alguns foram atacados), questão de seguro desemprego, o próprio Funprest, e agora tem um outro pacote que está sendo tocado.

Isso incomoda demais o servidor, é verdade. Nós temos uma economia que está em crise. A crise não é só brasileira, é mundial, e a gente precisa colocar isso em conta. Que a gente faça sim oposição ao governo. O sindicato não está apoiando o governo e sim a democracia.

Nós já vivemos cenários semelhantes, o discurso contra corrupção é usado como se toda a corrupção tivesse sido iniciada no governo do PT. O processo de delação só chega até o Partido dos Trabalhadores, há um desequilíbrio nisso.

As ações que foram tomadas pelo juiz Sérgio Moro, de um trabalho que parecia indicar uma ação contra a corrupção, demonstrou desequilíbrio quando liberou escutas ilegais, quando liberou os sinais dessas escutas, quando definiu o que aparece.

Isso é um problema porque um presidente deposto nessa situação coloca o estado democrático de direito, já ameaçado por causa das decisões judiciais que estão sendo tomadas como condições coercitivas de pessoas que não se negaram a depor, em risco. Não só o ex-presidente Lula, mas também outras pessoas que foram conduzidas coercitivamente sem que tivessem se recusado a depor.

Neste momento há uma urgência de escolher o grupo e pensamento com o qual se quer aliançar, mesmo que haja divergências com relação às posições de outros integrantes do movimento?

Então, o estado democrático de direito se coloca em risco, na medida em que entramos em um campo perigoso, onde os direitos civis ficam em suspensão e a gente já viu isso no passado. Não estou afirmando que vamos entrar na ditadura. Eu não acredito que estejamos em vias de um golpe militar, mas estamos diante de um golpe, que é a derrubada de um governo democraticamente eleito com 54 milhões de votos e que tem feito um governo ruim, que está com problemas, que ataca os direitos dos trabalhadores, mas que foi popularmente eleito.

Nós fazemos nossas críticas ao governo há muito tempo, nós estamos sendo acusados de estar contra o governo. Nós estamos contra as políticas do governo que ataca o direito dos trabalhadores, essa é a posição do sindicato. Ser contra as políticas não significa ser contra a democracia, não significa utilizar de expedientes que não são legais, como estão sendo utilizados, de expedientes que não são aqueles que gerariam o processo de impeachment para tirar esse governo. E colocar qual governo? Para puxar eleições gerais e eleger quais candidatos?

A esquerda brasileira não está organizada em relação a candidato, ou em um cenário muito pior, nós estamos vendo uma tendência no mundo. Com essa crise, na Grécia quem foi eleito foi a extrema esquerda, a esquerda “puro sangue”. Mas o que aconteceu? Tentou enfrentar o capital internacional e não conseguiu, conseguiu por um momento e fez um grande barulho, mas não conseguiu.

Agora em outros países existe um avanço da extrema direita, e essa polarização que está havendo no Brasil se mostra nessa direção. Nós temos fatos, falas e movimentos de extrema direita. Nós temos falas muito duras. As pessoas falam das pautas dos Direitos Humanos como se os Direitos Humanos fosse uma pauta da esquerda. Direitos Humanos é pauta de ser humano.

A gente está vivendo um momento de radicalização, a tensão das redes sociais, as tensões criadas por esses debates sem muita avaliação e equilíbrio, têm levado as pessoas a entenderem que se você não apoia o impedimento você é a favor do governo, se você é a favor do governo é “petralha” e corrupto. Isso está errado.

Qual que é o cenário gráfico? Nós somos contra as políticas adotadas pelo governo, nós somos críticos à implantação da agenda neoliberal que vem sendo tocada pelo governo do PT. Nós fazemos essa crítica há anos e o sindicato tem tocado essa luta, que é a luta dos trabalhadores.

O sindicato não é a diretoria, o sindicato é o grupo de trabalhadores. Porém, não significa que nós vamos desembarcar nesse apoio ao impeachment porque esse governo é ruim. O governo foi democraticamente eleito. Nós precisamos escolher uma posição que seja coerente com a história. A democracia está sendo respeitada? O estado democrático de direito está sendo respeitado? Se eles não estiverem sendo respeitados nós não apoiaremos isso.

Porque nós colocaremos em risco tudo que conquistamos durante esses muitos anos. Uma democracia frágil, uma democracia jovem e imatura – pela forma como as coisas se dão -, dentro de um sistema político viciado. O PT chegou ao poder e não fez a mudança, não propôs, se encolheu e aceitou o mesmo jogo que vinha sendo jogado para garantir a governabilidade. Aceitou a política de alianças, a política dos financiamentos privados que pouco se discute.

Isso tem colocado em risco a democracia e as pessoas não estão discutindo isso. Elas discutem se é impeachment ou não, então é necessário tomar uma posição. Vamos para rua não só gritar “Não Vai Ter Golpe”, mas também “não vai ter reforma fiscal”, “vai ter reforma política”. Esse é o anseio da nação.

Desde 2013 essas coisas vêm sendo debatidas e a preocupação é que as agendas, colocadas naquele ano, ainda não foram atendidas nem debatidas, foram esquecidas. O que foi capitalizado naquele momento foi, simplesmente, o ato de ir para rua e reclamar do governo. E a direita brasileira soube capitalizar aquele movimento e a esquerda não soube. Eram pautas de esquerda e o PT não soube conduzir essa discussão, não soube alinhar e ver aquele sentimento real de indignação que estava colocado, a partir do Movimento Passe Livre em 2013, e permitiu que essa agenda fosse tomada, que não é a agenda real da população.

Por que o impedimento seria um golpe? Dentro de um estado democrático de Direito e considerando os dispositivos constitucionais brasileiros, em que situação é legítimo afastar a chefe da nação?

Porque não há crime de responsabilidade. Se houver prova do crime de responsabilidade do pedido de impeachment dentro dessa lógica, nós apoiaremos o impedimento. Mas ele não existe. O que está posto são as pedaladas fiscais e isso dá diversas interpretações. Dentro deste cenário nós vamos provocar o impeachment de vários governantes eleitos e vamos entrar em impedimento atrás de impedimento. Pouca gente discute qual a razão do impedimento, poucos sabem que no impedimento não está sendo colocada nenhuma coisa em relação à operação Lava-Jato.

Vejam que os mesmos políticos que hoje pedem o afastamento da presidenta pelas pedaladas fiscais, fizeram o mesmo que ela. O próprio governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), fez isso em 2015. Mais de 20 governadores do Brasil fizeram isso. É nisso que se baseia o impeachment. Se em algum momento esse impedimento se der por essa via qual será a situação? Nós vamos entrar em um lopping, pois toda vez que tivermos um governo eleito em uma crise econômica e alguém sentir que não gosta dele vai querer tirá-lo do poder. Se houver um crime de responsabilidade, atribuído à presidenta da República, que seja ela deposta, o que não é o caso.

A alternativa imediata, em caso de saída da presidenta Dilma, é o Temer, do PMDB. Como os movimentos de trabalhadores e sociais vêm essa possibilidade? Que agenda poderia se esperar dele e de seu grupo? Essa seria uma solução adequada?

Até agora a saída que está colocada é o impedimento da presidente e a entrada do Michel Temer (PMDB). Nós precisamos acompanhar essas coisas. Só acessar o site do PMDB que você vai ver a “ponte para o futuro”. A ponte para o futuro é programa de governo do PMDB, que é a continuidade da agenda neoliberal, mas sem o pudor e a vergonha que o PT tem de aplicá-la.

Está tudo no plano do PMDB “Ponte para o futuro”, não há nenhum engano. Só para termos uma ideia, um dos projetos é a desvinculação das verbas orçamentárias da União, que significa que o orçamento será aberto.  Não há percentual, exclusivamente, destinado à Educação, à Segurança e à Saúde. Está colocado na agenda para que possamos equilibrar as contas. Se o governo atual, mesmo com as amarras que possui, está fazendo cortes gigantes, imagine o que seria feito dentro de um cenário como este.

Há 55 projetos que o blog do Sakamoto relaciona como ataques aos direitos dos trabalhadores e aos nossos direitos fundamentais. Então é essa discussão que nós precisamos fazer. O PMDB tem estado no governo desde a abertura democrática e tem aproveitado essa posição do partido, com maior base na Câmara e no Senado, para fazer todo tipo de jogo e muito da corrupção e da troca de favores a que assistimos.

Nós não vamos escolher PT ou PMDB, nós escolhemos o lado da democracia. Então não vamos nos privar de continuar fazendo a luta, fazendo a crítica da reforma fiscal, fazendo a crítica do corte aos direitos dos trabalhadores.

Hoje os movimentos democráticos e progressistas brasileiros se veem obrigados a irem pra rua defender a democracia que se pensava consolidada no Brasil. Por que a presidenta, o PT e o Lula se encontram nessa situação? O que está havendo com o nosso sistema democrático e partidário?

O PT se encontra nessa situação porque não fez a ruptura na história brasileira. Nós não temos histórias de grandes rupturas. Da monarquia para república, na própria independência fez-se acordos. Nós tivemos ditaduras, o Golpe de 1964, que foi terrível. João Goulart foi deposto e o barco seguiu. A abertura foi feita via negociações e nenhum general preso, nenhum torturador preso. Em outros países isso se deu de formas diferentes.

Agora, o PT se encontra nessa situação, porque não rompeu com as práticas que eram tomadas pelos partidos que estiveram no governo. Não soube capitalizar a forma dos movimentos sociais. Está assim porque na eleição da presidenta Dilma, em 2014, ela pediu o apoio da esquerda e o apoio dos movimentos sociais, que foram determinantes na vitória, e deu como resposta uma Kátia Abreu como ministra da Agricultura, um Joaquim Levy como ministro da Fazenda, e nos entregou um pacote de ajustes fiscais muito mais duro do que esperávamos penalizando os trabalhadores.

Por que não fez a discussão do imposto sobre grandes fortunas? Por que não fez a avaliação de que quem deve pagar mais imposto é quem recebe mais? Por que não fez a Reforma Agrária da forma correta?

O nosso sistema democrático está em crise. Ainda há partidos e políticos sérios, só que o sistema está em crise. E nós precisamos discutir a reforma política. Se formos procurar dentro do PT, dentro do PMDB, nós vamos ficar preocupados. Porque a maior parte dos partidos está amarrada.

Qual o posicionamento de todos os políticos brasileiros em relação ao desastre ambiental provocado pela Samarco? Nós não vemos, porque todos os políticos estão afundados em doações da Vale.

É importante que a gente entenda que não é apenas o PT, isso não é uma fala em defesa do PT. Essa fala é em defesa do estado democrático de direito que precisa de uma reforma política. É preocupante quando nós entendemos que não se deve sair em defesa da democracia, que não se deve defender o estado democrático de direito.

O que parece é que estamos em um vórtex que suga todo mundo para dentro da polarização PT e PSDB, tucanos e petistas. O Brasil está sendo divido e conduzido por uma mídia plutocrática, por grandes conglomerados de mídia que têm tentando conduzir a população, mas sem responsabilidade. Conduzir a população a tomar decisões. Será que nós conseguimos enxergar isso?

Em vez de aderir ao conforto de um dos lados, é importante a gente fazer o mais difícil, que é perceber que tem uma crise e ela é grande. A crise política é grande. E a gente precisa fugir dessa polarização, que é a condição ideal para agirmos e pensarmos com independência. Não estamos nos filiando ao PT quando defendemos a democracia e não estamos dando carta branca para fazerem o que quiserem com os trabalhadores. Essa é a grande contradição. O ser humano é contraditório por natureza, porque tem um clamor por mudança e o pessoal que é protagonista da crise fica fazendo como se estivessem mudando tudo, mas eles querem que mude tudo para continuar como está. Isso é que estão fazendo o PMDB e o PSDB, e tem feito também o PT.

Com o impedimento ou sem o impedimento, a gente vai entrar em um cenário muito difícil. Com impedimento ou sem impedimento o cenário para os trabalhadores federais e para todos os trabalhadores será muito difícil.

O ajuste fiscal será tocado por um ou por outro, nós precisamos estar unidos e não separados. Essa unidade dos trabalhadores é muito importante, porque ela que vai fazer a diferença. Nesse momento, após o fim do processo de impedimento ou não impedimento, nós seremos desafiados a enfrentar a crise econômica, a crise política, o estado neoliberal e o capital internacional, sedento pelos nossos direitos. Ou a gente acha que a Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo) está apoiando o trabalhador? O vice-presidente da Fiesp fala em reduzir direitos trabalhistas e até o horário do almoço. Operar a máquina e comer um sanduíche. Nós temos a escolha de defender o estado democrático de direito e defender os nossos direitos, essa é uma posição que eu vejo que é viável.

Alguns pontos são importantes, com ou sem impedimento nós temos um cenário ruim pela frente, existem diversos projetos na câmara dos deputados tocados por vários partidos contra os trabalhadores, e essa cortina de fumaça tem impedido de olharmos para eles. Nós precisamos olhar e lutar contra esses projetos. Esse é o cenário. Não é uma questão de escolher lado, o nosso lado é o lado dos trabalhadores.

Nós temos um grupo que foi formado na marcha pela defesa da Democracia e nós vimos centenas de servidores do Ifes. Então ficamos, relativamente, tranquilos por saber que tinha muita gente lá fazendo esse debate. O próprio Instituto Federal se posicionou contra o impedimento, e tem recebido muitos cortes no orçamento. As universidades têm se manifestado contra o impedimento. Grandes intelectuais e juristas têm se posicionado contra o golpe.

Nós precisamos proteger os nossos direitos, proteger o que foi conquistado. Mas também temos que enfrentar o nosso grande adversário que é o capital internacional que está cada vez mais voraz e faminto em cima dos nossos direitos. Se não tivermos unidade nós teremos problemas sérios no futuro.

A gente tem um problema hoje, temos um cenário de muita potência, mas que tem demonstrado um desequilíbrio muito perigoso. Não estamos falando do fascismo italiano, mas de ações fascistas. Os direitos podem escorrer pelos nossos dedos. Como vamos observar e enfrentar isso? O desafio está posto para a classe trabalhadora e o desafio é a contradição. Lutar pela democracia e lutar contra o corte dos direitos. Esse é o desafio que está colocado. Que possamos ter serenidade, que possamos fazer o debate dentro do ambiente de trabalho, que possamos discutir a Constituição, as nossas lutas. E pode ter certeza, não tem cenário fácil este ano e nos próximos para os trabalhadores. O grande adversário é o capital internacional e ele está aí. Nós precisamos estar atentos. Nós seguiremos lutando.

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